O Endurance, estava aprisionado e já era mínima a esperança de que ele voltasse a flutuar. Lentamente era destruído pela pressão do gelo, o frio era intenso e o vento muito forte. A todo momento os homens escutavam vigas do navio se partindo e o gelo tomando conta do seu interior. Era um momento de incertezas para aquela tripulação, mas Shackleton sabia como conduzir equipes em momentos de crise
Após três dias de tentativas para salvar o barco, os homens exaustos correram para a segurança do gelo. Armaram suas tendas e rapidamente enfiaram-se dentro delas, extenuados. Mal tinham adormecido, abriu-se uma fissura no gelo que passou pelo meio do acampamento e tiveram que sair para outro local, rapidamente.
Esta era a situação em que a expedição comandada por Ernest Shackleton se encontrava e este era o cenário que encontrariam nos próximos meses: Um ambiente inóspito, distante da civilização, fora da rota dos navios baleeiros, sem meios de comunicação, mas com um verdadeiro líder no comando que parecia aumentar a sua influência em momentos de crise.
Este é o sexto artigo de uma série de oito em que estamos buscando na expedição Transantártica, comandada por Ernest Shackleton, sugestões que podem ser aplicadas atualmente na gestão de pessoas. Abordaremos hoje o estilo de Shackleton em como conduzir equipes em uma crise.
A tripulação era constituída por pessoas de diferentes comportamentos e experiências. Enquanto alguns eram marinheiros, uma classe considerada “párias” para os padrões da época, outros eram cientistas, além de profissionais ainda jovens, recém saídos dos bancos escolares. Apesar das diferenças sociais e culturais, os homens formavam um só corpo e Shackleton era o Líder.
Muito cedo Shackleton havia aprendido que a função de líder é muitas vezes uma tarefa solitária e sem agradecimentos, sobretudo em momentos difíceis. Naquele momento o “Chefe” precisava agir, manter o pessoal unido e cuidar do grupo sob sua responsabilidade, sem se preocupar com sua própria pessoa. Mesmo sendo o Comandante, em nenhum momento exigiu privilégios para si mesmo, somente exigia um tratamento igual para todos, com muita justiça e imparcialidade.
Talvez o motivo do grande sucesso de Shackleton para conduzir equipes em uma crise é que ele se havia se preparado anteriormente para todas as alternativas possíveis. Durante a viagem da Europa á América do Sul, várias vezes pensara estrategicamente qual seria a sua conduta se algo acontecesse e para tanto simulou diversas situações. Quando surgiu a situação crítica o “Chefe” estava emocional e estrategicamente preparado.
Uma das primeiras ações foi abrir mão de tudo o que não era necessário naquele momento e começou dando o exemplo: jogou no gelo relógio de ouro, cinquenta soberanos de ouro, sua cigarreira de ouro e a maioria dos livros que trouxera, apenas guardando a Bíblia dada pela Rainha Alexandra que depois deixou pelo caminho. Guardou apenas a primeira página com a dedicatória da rainha e uma outra com um versículo de Jó.
Logo nos primeiros dias de acampamento no gelo, percebeu que no grupo existiam descontentes, pessimistas e mal-humorados. Resolveu então traze-los mais próximo de si, isto é, reuniu junto de si aqueles que achava que não se entrosariam com os demais. Dividiu a sua barraca com estas pessoas e as demais segundo as afinidades que existiam. Esta ação foi fundamental para o espirito de equipe e blindar os demais dos pessimistas e inseguros, nunca deixando que os homens perdessem o senso de humor.
Naquele momento difícil, Shackleton decidiu que seria importante que tomasse uma atitude de fazer com que os homens esquecessem o passado e se concentrassem naquilo que precisavam para sobreviver. Isto fez com que todos tivessem o foco em voltar para casa e não em valorizar ou apresentar um comportamento de vítima.
Estabeleceu o lema: “Prospice” que significa olhar para frente, baseando-se em um poema de Robert Browning.
Shackleton preparava os homens para ordens desagradáveis, fazendo alusões a elas antecipadamente, mas sempre buscando o bem futuro.
Dos relatos desta expedição tirei algumas lições que costumo utilizar em meus programas de Coaching de Liderança, afinal momentos de crise surgem com certa frequência no mundo corporativo.
Acompanhe comigo as lições que aprendi:
- Dê à sua equipe algum tempo para assimilar (e se acostumar) com uma decisão desagradável. Prepare o ambiente anteriormente.
- Seja paciente. Algumas vezes é mais importante apenas observar.
- Ao perceber uma crise, aja imediatamente. Reúna o pessoal e proponha um plano de ação. Faça isso antes que os boatos se tornem em verdadeiros monstros.
- Em momentos de crise, elimine os níveis intermediários. Tome você mesmo o controle da situação.
- Tenha sempre um plano de contingência para situações mais ou menos previsíveis.
- Mantenha sua equipe no rumo, as vezes torna-se importante um choque ou alguma ação para que voltem à realidade.
- Peça conselhos e busque auxilio de diversas fontes, mas não se esqueça: a decisão final é sempre sua.
- Mantenha todos informados, deixe os envolvidos participarem do processo para saírem da crise.
- Mantenha os descontentes, e mal humorados muito perto de você. Não permita que os comportamentos deles contaminem o grupo.
- Desarme toda e qualquer tensão que perceba. O bom humor e o otimismo são as melhores armas para isso.
- Não desperdice energia e tempo lamentando os erros do passado. Mantenha o seu foco no futuro.
Estas dicas são muito simples e de fácil aplicação, mas ao menos em meu caso, têm eficácia comprovada. Mesmo após cem anos desta expedição, podemos aprender e muito com ela.
Na próxima semana vamos discutir como capacitar a equipe para tarefas difíceis.